quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Pois ele tem seu lugar, e vai encontrar.

Eu tinha oito anos quando o vi pela primeira vez. Foi numa noite comum, em meados de Março, quando meus pais resolveram visitar uma amiga que trabalhava com minha mãe. Elas se conheciam desde jovens, tinham estudado juntas quando mais novas, ou algo do tipo. Minha mãe estava feliz porque, depois de muitas tentativas, sua amiga finalmente esperava seu primeiro filho. Enquanto meu pai conversava com seu marido, ela mostrava para mamãe as roupinhas e o quarto do bebê, e seu sorriso era radiante. Valia por dois, eu pensava. Era divertido observar todas aquelas coisas em tons pastéis e cheiro suave, as cobertinhas, o berço, o primeiro macacão. Para uma menina era delicioso, mas não para um garoto de seis anos. E assim estava meu irmão, impaciente, grudado nas pernas de minha mãe, choramingando para ir embora. Mas eu não queria ir, eu queria ficar e continuar observando. Queria sonhar mais um pouco, imaginar como seria quando chegasse a minha hora de ter um bebê. Foi quando, a dona da casa, em uma tentativa de manter meu irmão distraído por mais um tempo, lembrou-se que sua gata tinha dado a luz a três filhotinhos.

- Vem, crianças. Eles estão em uma caixinha, no canto da sala - e nós a seguimos com brilho nos olhos. Ver gatinhos recém-nascidos me pareceu muito melhor que as roupinhas de bebê.

E era.

Havia três pequeninos na caixa. Dois machos e uma fêmea, disse ela. Os dois era praticamente iguais, de tom alaranjado, só que um mais gordinho que o outro. E a menina, por sua vez, era branquinha com algumas manchas acinzentadas. Ela foi a primeira que eu peguei no colo, depois da permissão da dona. Abracei-a com cuidado, enrolando-a na blusa regata que vestia, mas ela não pareceu gostar do ato. Mexia-se, miava, inquieta. Arranhava minha blusa com as unhas pequenas tentando fugir. Mesmo assim continuei segurando-a por mais algum tempo até que desisti. Se o conforto dos meus braços não estava sendo o suficiente, ela voltaria para a caixa de papelão. Olhei para o lado e vi meu irmão segurando o gato mais gordinho, então pedi a ele que me deixasse pega-lo. Ele esticou os braços, e colocou-o nos meus. Sorri. O gatinho não havia me arranhado, mas isso não durou mais que alguns segundos, e a cena se repetiu. Tão impaciente quanto a primeira, ele se debateu, tentando escapar. Fiquei aborrecida, e cheguei a pensar que tinha algo de errado comigo. Será que eu estava apertando muito os pobres gatinhos? Não, eu não estava... Eu só colocava eles em minha blusa, e enrolava com cuidado. Então porque eles queriam ir embora? Eu queria cuidar deles, ser a mamãe, igual eu era pra minhas bonecas.

Restava, no canto da caixa, apenas mais um. Essa seria definitivamente minha última tentativa. Observei-o por um instante, ele era tão pequeno, o menor de todos. Seu corpinho caberia todo na palma de minha mão, mas era lindo. Devagar, me inclinei sobre a caixa, e o peguei. Ele abriu um dos olhinhos, e resmungou por eu tê-lo acordado. Fitei a cor esmeralda de seu olhar, e sorri.

- Olá, pequeno - passei a ponta dos dedos nos pelos de sua cabeça, acariciando-o - Você vai querer fugir também, vai? - e esperei fielmente que não.

Enrolei-o, assim como havia feito com os outros, na barra da minha blusa. Ele não se moveu, apenas me encarou com os olhinhos pequenos. Depois, fechou-os. E enquanto eu balança o corpo levemente, ele caiu em um sono gostoso e tranquilo. Talvez, ele soubesse que eu nunca o abandonaria. Talvez ele só quisesse dormir mais um pouco.

Mas ele permaneceu nos meus braços pelo resto da noite, até mamãe dizer que precisávamos ir embora. Eu não queria deixá-lo, e senti uma súbita vontade de chorar. Não queria pensar que aquela seria a última vez que eu o veria. Ele era meu, nós dois sabíamos disso.

- Coloca ele junto aos outros e vamos embora, filha - ouvi minha mãe dizer, e eu sabia que não tinha escolhas.
- Nós podemos ficar com ele? - pedi, esperançosa.
- Depois conversamos sobre isso. Agora vamos - e meus olhos perderam a cor.

Deixei-o, contrariada, de volta na pequena caixa, e virei de costas indo ao encontro de meus pais.

- Olha ali, que sapeca - escutei a voz da dona deles, apontando para a caixa.

O meu gatinho havia se pendurado no papelão, pulado, e agora corria em minha direção. Nessa hora eu soube que ele havia me escolhido, e que esse era nosso destino. Segurei-o, e dei um beijo no topo de sua cabeça.

- Eu prometo que volto pra te buscar, filho - disse baixinho para que só ele pudesse ouvir. Coloquei-o em sua "casinha" novamente, e dessa vez fui embora sem olhar pra trás.

Eu tinha certeza que voltaria ali, e o levaria comigo. Eu o protegeria de todo o mal, o amaria com todo meu coração, e daria um beijo nele todas as noites antes de pegar no sono.

Afinal, nós sabemos quando encontramos alguém ou algo que está destinado a ficar ao nosso lado. Nós sentimos. Eu não poderia deixá-lo. Ele me escolheu.


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