quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fique longe

Existiam tantos motivos para eu estar irritada naquela noite, que mal conseguia me concentrar em um deles especificamente. Sentada, no mesmo lugar que já estivera tantas vezes com diversas pessoas, eu sentia um misto de agonia e felicidade. Gostava dali, gostava das lembranças que tinha da velha calçada, das gargalhadas que haviam ficado por aqueles ares, e dos sentimentos ali começados. Mas nem tudo era purpurina, e o brilho dos meus olhos morreu assim que me dei conta da realidade. O sono, aos poucos, ia tomando conta do meu organismo, e minha cabeça doía levemente. Talvez fosse a fome, ou algumas questões que me deixavam chateada. Eu não sabia ao certo, mas desejei loucamente pelo conforto da minha cama e dos meus cobertores, para me livrar daquele salto agulha que apertava meus pés e das roupas cheirando à cigarro.

Parei meu olhar sob a lua e lembrei de uma canção bonita que eu gostava. Fiquei observando-a, tentando me distrair para não pensar nas piadas estúpidas que havia escutado alguns segundos antes. Com sono, fome, e cansada, eu me tornava uma garota extremamente vulnerável a qualquer palavra que fosse, e se por acaso sentisse uma pontada de mal gosto ou sarcasmo, eu não conseguia responder por meus atos.

Antes que eu pudesse raciocinar direito, bati meus dedos na lateral de seu rosto, fazendo um barulho estalado, mas sem deixar marcas. Dei risada como se estivesse embriagada, como se vê-lo "furioso" ou me pedindo para não fazer aquilo, fosse realmente muito divertido. Não, não era. E teria me arrependido um segundo depois, mas meu orgulho não deixou. Em meio as suas conversas banais e comentários deselegantes, havia me ferido. Não fisicamente, mas com palavras. Entretanto, minha intenção não era lhe causar nenhuma sensação ruim, nem vingar sua falta de senso. Ele era tão vulnerável quanto eu, e por mais que tentasse esconder, eu sabia que era. Talvez errasse tanto quanto eu, e culpa ninguém tinha.

"O que você tem?", puxou meu corpo para mais perto, mas não deixei de olhar para cima. A luz da lua refletia nos meus olhos, e me causava uma tranquilidade forjada. "Você ficou triste com o que eu disse?", prosseguiu.
Meu animo para olha-lo tinha se esvaído completamente, e eu continuava a desejar minha cama, onde eu não encontraria nenhum vestígio daquele lugar. Queria lhe dizer tantas coisas, e elas simplesmente não saíam, elas nunca estavam na ponta da língua quando deveriam estar. Droga. Abri os lábios, dizendo baixo "Não...", não? Como assim eu respondi não? É claro que estava triste, estava e não era com uma coisa que ele disse, era com centenas delas. Mas o que eu iria explicar? Definitivamente, cutucar feridas passadas seria desgastante demais. Resolvi esconder, mais uma vez, tudo que me vinha em mente, todas as palavras, as dúvidas, as mentiras.

"Vem cá" e puxando levemente minha cabeça para encostar em seu ombro, começou a me explicar o porquê de sentir-se ofendido com meus atos. Quis socar a cara dele de verdade, sem dó, com a mão toda e para deixar marcas. Ele não sabia nada do que eu tinha aguentado, ou sobre as coisas que me magoavam, ele nem sequer me conhecia mais. Em todo caso, eu não o culpava, se eu nunca disse, não haveria como ele saber. Suspirei, deixando que ele acariciasse uma mecha do meu cabelo, e prosseguisse com seu sermão barato. Era difícil entender o que eu sentia, então como eu poderia explicar à ele? Metade de mim queria lhe dar um tapa, e a outra estava serena no calor de seus braços. Meus olhinhos piscavam frenéticos, lutando para se manterem abertos, e eu mal conseguia refletir sobre tudo que o garoto falava. Por um segundo, me lembrei de todas as vezes em que ele se preocupou comigo, ou demonstrou algum tipo de afeto. De quando ele tentava me proteger porque dizia que eu não conseguiria fazer isso sozinha. Eu sempre encontrava em seu abraço algum tipo de segurança, como se fosse um abrigo ao qual só eu teria acesso, bem longe dos meus pesadelos. Ainda que ele me causa-se fúria, eu nunca senti medo de estar ao seu lado. Tive medo de tantos garotos, tantas vezes, mas dele não. Mordi minha língua para evitar que isso fosse dito, para não confessar que sentia falta de sua amizade. Mordi com força, porque nada do que eu pudesse dizer, faria diferença.




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