domingo, 10 de agosto de 2014

Jesus fictício


Pelo vidro do carro avisto seu semblante mais uma vez. Ele sempre caminha pelas ruas da cidade, exibindo aquela velha e longa barba encardida, com um cobertor pendurado no ombro. Ouvi dizer, tempos atrás, que ele teve família, esposa, filhos, mas foi traído - ou deixado - não sei ao certo. Na verdade, isso não importa. Não muda a realidade a qual ele está condenado.

- Olha lá Jesus... - minha mãe diz. Ela sempre o chama assim. Creio que várias outras pessoas também o associem à Ele.
- Deve ser triste - eu digo em tom baixo.
- O que? - ela pergunta.
- Viver desse jeito, sem ninguém pra conversar - respondo, refletindo sobre como isso seria uma tortura para mim. Passar meus dias andarilhando por aí, encoberta por olhos de desprezo ou piedade.
- Não. Ele deve ter muitas orações das pessoas ecoando na cabeça - minha mãe rebate, meio brincalhona. Mas começo a pensar e... e se ele tiver mesmo? Quer dizer, não deve ser ele, mas e se Deus quiser dividir com ele um pouco da tarefa?
Não sei quem escuta nossas orações. Não sei se elas nascem e morrem em nossas cabeças, se elas apenas ecoam pelo universo ou, se algo/alguém realmente as recebe. Mas, de repente, sinto a necessidade de fazer uma delas. Uma suplica pra jogar ao mundo.

Tamborilando com meus próprios pensamentos, sinto-me sufocada. Estes últimos dias não têm sido nada fáceis; gotas salgadas no travesseiro e sorrisos vazios parasitando os lábios. Às vezes só dá vontade de apertar o botão "avançar" e pular lá pra frente, trocentos meses no futuro, onde eu nem sei se é seguro. Então eu descubro aqui dentro, com essa chata voz racional persistindo em me guiar, que a melhor coisa a fazer é ter paciência, respirar fundo, porque logo as coisas se ajeitam.

Mas, ei, Jesus, se essas palavras estão indo pra você, saiba que eu realmente preciso da sua proteção. Que nós sabemos que sou forte, mas, não deixa o peso todo comigo, não. Cuide para que eu tenha ombros por aqui, e que eles me abriguem quando eu precisar chorar. Cuide para que eu tenha alguém para dar aquele empurrãozinho e dizer "continue" quando eu pensar em desistir. Deixe também alguém de sorriso bonito para me fazer sorrir junto. Você sabe que amo sorrisos, e sinto que vou precisar de um milhão deles até essa época difícil resolver ir embora. 

Certo? Temos um combinado.



Um comentário:

Lucas - Blog: Overture disse...

A tragicomédia 'Click' apresenta um homem que teve como opção para suas impaciências, problemas e divergências o simples apertar de um botão, e a vida adiantar. Mas, então, entra aquele problema das aulas de Matemática: quem pulou aritmética está perdido para as outras fazes. O problema vencido hoje é parte da solução do problema de amanhã. Às vezes, estamos precisando de um ombro, não importa de quem. Mas seria bom pensar que o ombro é alguém com muito mais que um ombro a oferecer. Palavras, amizade, orientação, ajuda. O lado interessante das orações é quando elas se dirigem a um perfeito desconhecido. Não seriam mais eficazes feitas a um conhecido? Decerto. Orações, como de resto toda conversa, são desnecessárias quando conhecemos com quem falamos e ele nos conhece pelo olhar e pelo silêncio, porque aos que se conhecem intimamente, o silêncio já disse tudo. Tens um texto lindo, proveniente de um coração lindo. É o melhor de todos os começos da terra. Beijossssssssssss