quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Quanta sensação pra um dia só.

                   É noite de quinta-feira e meu estômago parece se contorcer. Essa sensação poderia até se passar por fome, se eu não soubesse o real motivo para aquele desconforto. Uma dose de ansiedade que cresceu de mansinho durante o decorrer do dia, e ao final dele, parece ter se instalado definitivamente dentro do meu organismo, fazendo com que eu respire fundo várias vezes para manter uma tranquilidade forjada.
                Checo a lista de viagem mais uma vez, rabiscando com caneta azul um “ok” ao lado de cada item que já está na mala. Parece tão simples, entretanto, mesmo tendo feito isso anteriormente, sinto um arrepio na espinha pensando em tudo que pode acontecer longe de casa. Além disso, minha mente trabalha a mil por hora, divagando sobre outro compromisso que terei no dia seguinte. Em uma das escolas da cidade, uma porção de alunos me esperará pra um diálogo sobre literatura, e não posso deixar de sentir certa ansiedade por esse motivo também.
                Depois de anos enfornada dentro de uma sala de publicidade e de um emprego que tanto exige das minhas cordas vocais, acredito que minha voz saia bem mais alta agora e que eu não tenha tanto receio de falar em público como anteriormente. Então vou me acalmando aos poucos sobre a viagem e sobre o compromisso. Vai dar tudo certo, repito mentalmente umas cinco vezes antes de pegar no sono.
                (...) Amanhece e a sexta-feira tem um aroma mais leve no ar; Pelo simples fato de saber que o final de semana está quase dando seu alô, tudo parece mais reconfortante, e até a ansiedade do dia anterior diminuiu.
                Preparo uma torrada, mordiscando-a junto ao café quente, que bebo em pequenos goles para não queimar a ponta da língua. Cinco minutos depois, já estou com minha bolsa nos ombros e os fones no ouvido, em direção ao trabalho.
                Durante toda a manhã, divido pensamentos entre meus afazeres matinais e tudo que tenho pra realizar à tarde. Só quando o relógio finalmente me libera, vou para casa almoçar e descansar um pouco antes que dê o horário de estar na escola a qual visitarei.
                O tempo é pouco para um cochilo, sendo assim, decido tomar um banho gelado, tentando amenizar o calor quase febril que faz no final do inverno. Talvez seja a revoltada da natureza, e penso que ela está se revoltando com louvor. De uns anos pra cá, não sentimos mais frio na estação que deveria ser a mais gélida, pelo contrário, a primavera mal se aproxima e parece que já estamos em pleno verão, sentindo a necessidade de água e vento basicamente o dia todo.

                Depois disso, cuidadosamente, passo um pouco de maquiagem no rosto e escolho uma roupa casual e fresca. Checo mais uma vez meu pen-drive, seguro a pasta cor-de-rosa em uma das mãos e parto para meu destino.
                Ao chegar à escola sou encontrada por minha tia – a professora de português das turmas que irei conhecer – antes mesmo que tenha começado a procurar por ela. Com um sorriso animado, abraça-me e caminha ao meu lado até a sala na qual irei me apresentar aos alunos. Durante o caminho, acabo conhecendo um rapaz simpático que me faz algumas perguntas e comenta sobre sua profissão, seu blog e os textos que costuma escrever. Ele me ajuda com a instalação do pen-drive e com o retroprojetor. E depois, os jovens da primeira turma começam a entrar na sala, entusiasmados e com olhares curiosos, sorrindo e fazendo comentários um para o outro. Ouço uma das garotas dizer que sou bonita e abro um sorriso, sentindo-me mais tranquila com o elogio. A gente sempre torce pelo melhor, para que gostem de nós, ou, que pelo menos haja respeito.
                Percebo que minha apreensão, apesar de normal, não deveria existir, pois conforme os rostos aparecem pela sala, percebo simpatia e admiração na maioria dos semblantes. Eles vão se ajeitando com rapidez, o barulho ainda é alto, mas, aos poucos se torna possível ouvir minha voz, e então, me apresento. De forma compassada e quase ensaiada vou seguindo minha pequena cola no slide, parando vez ou outra para responder algumas questões que surgem no decorrer dos assuntos. Assim o tempo passa sem que eu nem me dê conta, e apenas quando escuto o sinal, entendo que ele está acabado e que outra turma deve entrar em seguida. Os alunos seguintes então mais calmos, porém, possuem os mesmos olhares curiosos dos anteriores; Logo noto um rosto familiar, um garoto que conheço do meu trabalho, feliz por vê-lo, cumprimento, animada. Conforme sigo novamente o roteiro, percebo que a segunda turma faz mais perguntas e fico feliz em respondê-las, conseguindo notar que eles realmente leram os textos e sentiram vontade de compreendê-los melhor.
                Um deles, antes que o tempo termine, solta um elogio sincero e algo que agrada muito de ouvir. Diz que gostou dos textos e pretende ler com os filhos, quando tiver. Meu coração bate um compasso mais rápido, feliz, feliz, feliz. Pelo carinho e por ver naqueles rostos uma real esperança nas pessoas e em seus talentos e afetos. O garoto ainda pede para que eu escreva sobre tudo aquilo, sobre eles, aquela experiência e o momento que estamos compartilhando. Penso logo que aquele pedido é uma honra, um presente que devo a eles por terem me presenteado com sensações tão agradáveis.
                Antes de saírem, pedem  para que eu assine seus livros e cadernos, o jovem que filmou toda a conversa, sorri ao meu lado para registrar em fotografia. Entusiasmada, troco mais algumas palavras com cada um deles e atendo todos os pedidos... Até que a última turma entra.
                Assim como a segunda, parecerem tranquilos e amigáveis, já chegam me cumprimentando e exibindo sorrisos. Reconheço algumas garotas do meu trabalho e puxo assunto, perguntando sobre as novidades. Não demora muito para que eu esteja conversando com a turma toda e respondendo à várias perguntas novamente. Todas bem interessantes e engajadas aos assuntos. Alguns jovens sentados nas primeiras fileiras chegam a fazer várias perguntas seguidas e estou achando tudo aquilo o máximo. É bom sentir que estamos na mesma sintonia, querendo aprender e passar informações. Querendo ser melhores como alunos e pessoas. Compartilhando experiências e transformando aquele momento em algo grandioso e digno de ser memorável.
                Então penso em minhas próprias palavras enquanto digo à eles que só costumo escrever sobre aquilo que me marca, que é importante demais pra ficar engavetado na minha memória. Tem instantes, pessoas e lugares que causam um efeito tão fantástico na gente que simplesmente não podem acabar em um canto obscuro de nossas mentes. Têm que virar palavras, texto, tem que ficar pra sempre em qualquer canto onde olhos – maravilhosos como os dos jovens que conheci – possam ler, entender, compartilhar e admirar assim como nos admiramos nesta tarde, eles à mim, eu à eles.



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