É noite de quinta-feira e meu estômago parece se contorcer. Essa
sensação poderia até se passar por fome, se eu não soubesse o real motivo para
aquele desconforto. Uma dose de ansiedade que cresceu de mansinho durante o
decorrer do dia, e ao final dele, parece ter se instalado definitivamente
dentro do meu organismo, fazendo com que eu respire fundo várias vezes para
manter uma tranquilidade forjada.
Checo a
lista de viagem mais uma vez, rabiscando com caneta azul um “ok” ao lado de
cada item que já está na mala. Parece tão simples, entretanto, mesmo tendo
feito isso anteriormente, sinto um arrepio na espinha pensando em tudo que pode
acontecer longe de casa. Além disso, minha mente trabalha a mil por hora, divagando
sobre outro compromisso que terei no dia seguinte. Em uma das escolas da
cidade, uma porção de alunos me esperará pra um diálogo sobre literatura, e não
posso deixar de sentir certa ansiedade por esse motivo também.
Depois
de anos enfornada dentro de uma sala de publicidade e de um emprego que tanto
exige das minhas cordas vocais, acredito que minha voz saia bem mais alta agora
e que eu não tenha tanto receio de falar em público como anteriormente. Então
vou me acalmando aos poucos sobre a viagem e sobre o compromisso. Vai dar tudo
certo, repito mentalmente umas cinco vezes antes de pegar no sono.
(...)
Amanhece e a sexta-feira tem um aroma mais leve no ar; Pelo simples fato de
saber que o final de semana está quase dando seu alô, tudo parece mais
reconfortante, e até a ansiedade do dia anterior diminuiu.
Preparo
uma torrada, mordiscando-a junto ao café quente, que bebo em pequenos goles
para não queimar a ponta da língua. Cinco minutos depois, já estou com minha
bolsa nos ombros e os fones no ouvido, em direção ao trabalho.
Durante
toda a manhã, divido pensamentos entre meus afazeres matinais e tudo que tenho
pra realizar à tarde. Só quando o relógio finalmente me libera, vou para casa
almoçar e descansar um pouco antes que dê o horário de estar na escola a qual
visitarei.
O tempo
é pouco para um cochilo, sendo assim, decido tomar um banho gelado, tentando
amenizar o calor quase febril que faz no final do inverno. Talvez seja a
revoltada da natureza, e penso que ela está se revoltando com louvor. De uns
anos pra cá, não sentimos mais frio na estação que deveria ser a mais gélida,
pelo contrário, a primavera mal se aproxima e parece que já estamos em pleno
verão, sentindo a necessidade de água e vento basicamente o dia todo.
Depois
disso, cuidadosamente, passo um pouco de maquiagem no rosto e escolho uma roupa
casual e fresca. Checo mais uma vez meu pen-drive, seguro a pasta cor-de-rosa
em uma das mãos e parto para meu destino.
Ao
chegar à escola sou encontrada por minha tia – a professora de português das
turmas que irei conhecer – antes mesmo que tenha começado a procurar por ela.
Com um sorriso animado, abraça-me e caminha ao meu lado até a sala na qual irei
me apresentar aos alunos. Durante o caminho, acabo conhecendo um rapaz
simpático que me faz algumas perguntas e comenta sobre sua profissão, seu blog
e os textos que costuma escrever. Ele me ajuda com a instalação do pen-drive e
com o retroprojetor. E depois, os jovens da primeira turma começam a entrar na
sala, entusiasmados e com olhares curiosos, sorrindo e fazendo comentários um
para o outro. Ouço uma das garotas dizer que sou bonita e abro um sorriso,
sentindo-me mais tranquila com o elogio. A gente sempre torce pelo melhor, para
que gostem de nós, ou, que pelo menos haja respeito.
Percebo
que minha apreensão, apesar de normal, não deveria existir, pois conforme os
rostos aparecem pela sala, percebo simpatia e admiração na maioria dos
semblantes. Eles vão se ajeitando com rapidez, o barulho ainda é alto, mas, aos
poucos se torna possível ouvir minha voz, e então, me apresento. De forma
compassada e quase ensaiada vou seguindo minha pequena cola no slide, parando
vez ou outra para responder algumas questões que surgem no decorrer dos
assuntos. Assim o tempo passa sem que eu nem me dê conta, e apenas quando
escuto o sinal, entendo que ele está acabado e que outra turma deve entrar em
seguida. Os alunos seguintes então mais calmos, porém, possuem os mesmos
olhares curiosos dos anteriores; Logo noto um rosto familiar, um garoto que
conheço do meu trabalho, feliz por vê-lo, cumprimento, animada. Conforme sigo
novamente o roteiro, percebo que a segunda turma faz mais perguntas e fico
feliz em respondê-las, conseguindo notar que eles realmente leram os textos e
sentiram vontade de compreendê-los melhor.
Um
deles, antes que o tempo termine, solta um elogio sincero e algo que agrada
muito de ouvir. Diz que gostou dos textos e pretende ler com os filhos, quando
tiver. Meu coração bate um compasso mais rápido, feliz, feliz, feliz. Pelo
carinho e por ver naqueles rostos uma real esperança nas pessoas e em seus
talentos e afetos. O garoto ainda pede para que eu escreva sobre tudo aquilo,
sobre eles, aquela experiência e o momento que estamos compartilhando. Penso
logo que aquele pedido é uma honra, um presente que devo a eles por terem me
presenteado com sensações tão agradáveis.
Antes
de saírem, pedem para que eu assine seus
livros e cadernos, o jovem que filmou toda a conversa, sorri ao meu lado para
registrar em fotografia. Entusiasmada, troco mais algumas palavras com cada um
deles e atendo todos os pedidos... Até que a última turma entra.
Assim
como a segunda, parecerem tranquilos e amigáveis, já chegam me cumprimentando e
exibindo sorrisos. Reconheço algumas garotas do meu trabalho e puxo assunto,
perguntando sobre as novidades. Não demora muito para que eu esteja conversando
com a turma toda e respondendo à várias perguntas novamente. Todas bem
interessantes e engajadas aos assuntos. Alguns jovens sentados nas primeiras
fileiras chegam a fazer várias perguntas seguidas e estou achando tudo aquilo o
máximo. É bom sentir que estamos na mesma sintonia, querendo aprender e passar
informações. Querendo ser melhores como alunos e pessoas. Compartilhando
experiências e transformando aquele momento em algo grandioso e digno de ser
memorável.
Então
penso em minhas próprias palavras enquanto digo à eles que só costumo escrever
sobre aquilo que me marca, que é importante demais pra ficar engavetado na
minha memória. Tem instantes, pessoas e lugares que causam um efeito tão
fantástico na gente que simplesmente não podem acabar em um canto obscuro de
nossas mentes. Têm que virar palavras, texto, tem que ficar pra sempre em
qualquer canto onde olhos – maravilhosos como os dos jovens que conheci –
possam ler, entender, compartilhar e admirar assim como nos admiramos nesta
tarde, eles à mim, eu à eles.
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