Ele
exibia um sorriso bonito todas as vezes que eu dizia algo engraçado, comentando
sobre como eu tinha um jeito diferente de me expressar. Que eu não era como as
garotas que ele costumava conhecer nas festas que frequentava. Obviamente, não
era. Estávamos em um encontro, com direito a sorvete e longas conversas no
banco dianteiro do carro. Suas mãos não tocavam as minhas, mas mantinha os
olhos atentos em mim.
- Quer escutar uma música? – Eu
disse, virando o rosto para encara-lo.
- Quero sim – ele respondeu com a
voz serena, enquanto observava meus dedos travarem uma luta com o rádio do
automóvel.
- É difícil mexer aqui, hein? – Comentei,
assumindo minha dificuldade para apertar os botões e colocar na canção correta.
Sem demoras, ele se prontificou a me ajudar, ensinando-me os macetes para lidar
com o aparelho. Quando finalmente consegui, pedi para que ele fechasse os olhos,
antes que a música começasse.
- Mas por quê? – Quis saber,
exibindo um sorriso desconfiado.
- Porque, além de ser a minha
favorita do momento, a introdução causa arrepios! – Eu disse, levando meus
dedos miúdos até suas pálpebras, abaixando-as. – Vamos, por favor, deixe-os fechados
se não... Não tem graça.
Bem lentamente, os primeiros toques
de teclado começaram a ecoar. Uma mistura engenhosa que começava sutil e
ganhava vida, sem perder o tom melodramático durante o tempo todo. Enquanto me
deliciava mais uma vez com a canção, aproveitava para observa-lo, quieto, com
os olhos fechados e as linhas da face relaxadas. Fazia tempo que não sentia
algo assim... Essa vontade de ficar admirando alguém pelos traços do rosto,
pela maneira como conversa, como caminha, ou simplesmente olha pra mim. Essa
maneira encantada, que quase me fazia esquecer o quão insensível eu posso ser
no quesito romance.
- Você tá gostando? – Perguntei,
desejando que ele não abrisse os olhos para que eu pudesse ficar mais um tempo
ali, perdida nos seus detalhes masculinos.
- Hmmm... – Ele murmurou. – É boa
sim – completou. Sem que eu pudesse impedi-lo, abriu os olhos devagar e encarou
os meus. Tentei desviar, talvez um pouco constrangida, temendo que de alguma
forma ele tivesse lido alguns de meus pensamentos. É claro que ele não tinha...
Mas, de repente, senti vontade de me esconder daqueles olhos castanhos que me
encaravam com tanta sutileza e atenção.
- O que diz na letra? – Ele perguntou,
visivelmente interessado.
- Ah, esse é o segundo motivo para
eu gostar tanto dela... – Respondi. – O título é “alguém por quem morrer...” –
Comecei a explicação, dessa vez, mantendo os olhos fiéis aos dele – No refrão,
fala sobre não precisar dessa vida... Só precisar de alguém para amar tanto ao
ponto de ser a pessoa por quem você morreria. – Terminei a explicação,
percebendo que soou dramática demais. Ele não parecia assustado, mas mantinha-se
inerte, provavelmente avaliando o que eu acabara de dizer.
- É triste isso, sabe... – Comentei,
tentando cortar o silêncio que se instalou.
- A canção? – Ele perguntou.
- Não... O fato de não ter ninguém
que você ame a esse ponto... - Digo simplesmente, assumindo um lado cheio de
sentimentalismo que geralmente tento esconder a sete chaves.
Sua risada ecoou dentro do automóvel
e, mais uma vez, fez com que eu percebesse o quanto ele parecia estar se
divertindo com a forma como eu me expressava.
Desviei meus olhos, observando o
vidro frontal do carro, quando ele chamou minha atenção de volta.
- Ei, porque você não olha nos meus
olhos? – Perguntou.
Dei uma risadinha, tentando não
demonstrar surpresa com a pergunta – Estou olhando agora – Respondi,
aproximando-me do rosto dele, com poucos centímetros nos separando.
- Olha mais... – Ele disse, semicerrando
os seus.
- Quer apostar quem consegue ficar
mais tempo olhando diretamente nos olhos do outro, sem piscar? – Provoquei,
certa de que adorava desafios, e assim parecia mais fácil vencer essa
dificuldade.
- Pode ser – Ele disse,
completamente atento.
Ele era alguém tão interessante.
Não alguém por quem eu morreria.
Mas...
Eram só alguns centímetros.
Eram só alguns segundos.
Éramos apenas nós dois.
Olhos nos olhos.
A respiração descompassando.
E, de repente,
Eram lábios nos lábios.
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