sábado, 23 de abril de 2016

Alguém por quem sentir...


       Ele exibia um sorriso bonito todas as vezes que eu dizia algo engraçado, comentando sobre como eu tinha um jeito diferente de me expressar. Que eu não era como as garotas que ele costumava conhecer nas festas que frequentava. Obviamente, não era. Estávamos em um encontro, com direito a sorvete e longas conversas no banco dianteiro do carro. Suas mãos não tocavam as minhas, mas mantinha os olhos atentos em mim.

            - Quer escutar uma música? – Eu disse, virando o rosto para encara-lo.
            - Quero sim – ele respondeu com a voz serena, enquanto observava meus dedos travarem uma luta com o rádio do automóvel.
            - É difícil mexer aqui, hein? – Comentei, assumindo minha dificuldade para apertar os botões e colocar na canção correta. Sem demoras, ele se prontificou a me ajudar, ensinando-me os macetes para lidar com o aparelho. Quando finalmente consegui, pedi para que ele fechasse os olhos, antes que a música começasse.
            - Mas por quê? – Quis saber, exibindo um sorriso desconfiado.
            - Porque, além de ser a minha favorita do momento, a introdução causa arrepios! – Eu disse, levando meus dedos miúdos até suas pálpebras, abaixando-as. – Vamos, por favor, deixe-os fechados se não... Não tem graça.
            Bem lentamente, os primeiros toques de teclado começaram a ecoar. Uma mistura engenhosa que começava sutil e ganhava vida, sem perder o tom melodramático durante o tempo todo. Enquanto me deliciava mais uma vez com a canção, aproveitava para observa-lo, quieto, com os olhos fechados e as linhas da face relaxadas. Fazia tempo que não sentia algo assim... Essa vontade de ficar admirando alguém pelos traços do rosto, pela maneira como conversa, como caminha, ou simplesmente olha pra mim. Essa maneira encantada, que quase me fazia esquecer o quão insensível eu posso ser no quesito romance.
            - Você tá gostando? – Perguntei, desejando que ele não abrisse os olhos para que eu pudesse ficar mais um tempo ali, perdida nos seus detalhes masculinos.
            - Hmmm... – Ele murmurou. – É boa sim – completou. Sem que eu pudesse impedi-lo, abriu os olhos devagar e encarou os meus. Tentei desviar, talvez um pouco constrangida, temendo que de alguma forma ele tivesse lido alguns de meus pensamentos. É claro que ele não tinha... Mas, de repente, senti vontade de me esconder daqueles olhos castanhos que me encaravam com tanta sutileza e atenção.
            - O que diz na letra? – Ele perguntou, visivelmente interessado.
            - Ah, esse é o segundo motivo para eu gostar tanto dela... – Respondi. – O título é “alguém por quem morrer...” – Comecei a explicação, dessa vez, mantendo os olhos fiéis aos dele – No refrão, fala sobre não precisar dessa vida... Só precisar de alguém para amar tanto ao ponto de ser a pessoa por quem você morreria. – Terminei a explicação, percebendo que soou dramática demais. Ele não parecia assustado, mas mantinha-se inerte, provavelmente avaliando o que eu acabara de dizer.
            - É triste isso, sabe... – Comentei, tentando cortar o silêncio que se instalou.
            - A canção? – Ele perguntou.
            - Não... O fato de não ter ninguém que você ame a esse ponto... - Digo simplesmente, assumindo um lado cheio de sentimentalismo que geralmente tento esconder a sete chaves.
            Sua risada ecoou dentro do automóvel e, mais uma vez, fez com que eu percebesse o quanto ele parecia estar se divertindo com a forma como eu me expressava.
            Desviei meus olhos, observando o vidro frontal do carro, quando ele chamou minha atenção de volta.
            - Ei, porque você não olha nos meus olhos? – Perguntou.
            Dei uma risadinha, tentando não demonstrar surpresa com a pergunta – Estou olhando agora – Respondi, aproximando-me do rosto dele, com poucos centímetros nos separando.
            - Olha mais... – Ele disse, semicerrando os seus.
            - Quer apostar quem consegue ficar mais tempo olhando diretamente nos olhos do outro, sem piscar? – Provoquei, certa de que adorava desafios, e assim parecia mais fácil vencer essa dificuldade.
            - Pode ser – Ele disse, completamente atento.
            Ele era alguém tão interessante.
            Não alguém por quem eu morreria.
            Mas...
            Eram só alguns centímetros.
            Eram só alguns segundos.
            Éramos apenas nós dois.
            Olhos nos olhos.
            A respiração descompassando.
            E, de repente,

            Eram lábios nos lábios.


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